Você com a palavra...

Como me sinto sendo uma professora negra no contexto escolar

 

A primeira vez que pisei numa escola foi aos quatro anos de idade, numa escolinha pequena lá na Aviação em São Mateus. É estranho dizer, eu sei, mas a escola sempre foi um dos meus lugares favoritos: era onde eu fazia amigos, o espaço que aguçava a curiosidade da criança questionadora que eu era e onde eu estabeleci uma relação afetiva com a educação. Talvez, ao ingressar no ensino fundamental, tenha sido a primeira vez que eu almejei ser uma daquelas pessoas que eu admirava, aquelas que me deram aula, que me ensinaram a multiplicar e a ler poesia.
Entretanto, algo que me impressionou muito durante minha vida na escola pública é que eu posso contar nos dedos de uma mão até hoje, do CMEI ao ensino superior, quantos professores negros eu tive durante a minha trajetória escolar. Quantas daquelas pessoas que eu admirei na minha vida compartilhavam dos mesmos traços que eu?
Quem sabe isso não tem a ver com a nossa experiência como alunos negros na escola? Vivências de racismo, preconceito e discriminação racial – veladas ou não – ao longo das nossas trajetórias são coisas tão comuns, mas que nunca passam batido na nossa realidade. As ofensas ao nosso tom de pele, a textura do nosso cabelo e as insinuações de que a universidade ou qualquer tipo de futuro considerado próspero “não eram para gente como nós”, criaram, pelo menos para mim, uma certa dicotomia de sentimentos, o famoso amor e ódio. Alguns professores me fizeram me sentir segura na minha trajetória escolar, já que não bastava apenas achar o racismo errado: professores precisavam e precisam ser antirracistas.
No momento em que você percebe as relações entre sua caminhada estudantil e “o que você quer ser quando crescer”, tudo se torna mais evidente: eu quis ser professora para mudar como os meus alunos percebem a educação e o espaço escolar. Eu quis que meus alunos, negros ou não, vissem que a escola era um lugar para pessoas como eles e como eu, que existem possibilidades de eles ocuparem qualquer espaço que eles queiram ocupar. Vejo que várias pessoas tiveram a mesma ideia que eu, já que a sala dos professores tem mais cores, tamanhos e gêneros, que os alunos estão livres para serem que eles querem ser e quem eles são, terem uma relação segura e confiante com a escola.
Eu me sinto feliz quando eu vejo uma aluna exibir seus cabelos que não são e nunca foram “pixaim” ou “bombril”, quando eles me perguntam onde fiz minhas tranças porque querem fazer igual, quando perguntam sobre o processo para se tornarem professores e fazerem parte de uma escola que está longe de ser perfeita, porém está no caminho para chegar lá. Eu quero ver meus alunos serem meus companheiros de trabalho e talvez professores dos meus filhos, eu quero que eles sejam partes fundamentais da própria educação. Porque ser uma professora mulher e negra ainda é difícil e cansativo, ainda vivenciamos preconceito e racismo em lugares que não esperamos, mas ao mesmo tempo é gratificante! Somos representatividade e fazemos parte da construção da escola que queremos ter e um dia teremos.

Aisha Jureswski, 26 anos. Mulher e negra.
Professora efetiva de língua inglesa no Colégio Estadual do Espírito Santo
e tradutora literária. Licenciada em Literatura e Língua Inglesa
pela Universidade Federal do Espírito Santo.